Nesta parte 1, apresento os conceitos básicos do que é Balística Externa. É um assunto interessante, mas bastante técnico e aprofundado, e pretendo esclarecer em uma linguagem que seja apropriada para que nossos leitores (que não são técnicos nem engenheiros) a entendam. Como Engenheiro que sou, sei que não vai ter jeito de fugir das leis da Física e vez por outra, uma fórmula ou um gráfico vai aparecer aqui e ali, mas espero que isso não os canse demais. Se você ainda não saiu da Escola, esse é um bom momento para prestar mais atenção nas aulas de Matemática e Física. Se já saiu, e bater aquele arrependimento, só me resta dizer: valorize mais os Professores!
Definição
Balística Externa, ou Exterior, é o estudo do comportamento de um projétil não-propelido em voo, ou seja, é a ciência relacionada a tudo o que acontece com o projétil entre a saída pela boca do cano até seu contato com o alvo. Apenas para lembrar, as outras duas partes do estudo da Balística são a Interna (tudo o que acontece antes do projétil deixar o cano, ou seja, ainda dentro da arma) e a Terminal (tudo o que acontece após o contato do projétil com seu alvo). Normalmente associamos Balística à armas de fogo, mas também se aplicam a outros projéteis, como flechas, bolas, e até satélites em reentrada na atmosfera.
Para entender a Balística Externa, precisamos primeiramente conhecer as forças que atuam sobre o projétil durante seu voo. As três principais forças atuantes são a Gravidade (g), o arrasto e o vento (se houver). A Gravidade vai puxar o projétil para baixo, fazendo com que a trajetória seja uma parábola, enquanto o arrasto causa uma desaceleração por conta da resistência do ar. O vento, se estiver presente, pode alterar a trajetória durante uma parte ou a totalidade de seu voo.
É importante notar que, se pensarmos em distâncias médias ou longas, outros fatores podem estar presentes além destes três, como por exemplo, o ângulo vertical da trajetória (para cima ou para baixo), a densidade do ar (que pode ser diferente em trajetórias muito longas), e efeitos como Giroscópio (Spin), Efeito Magnus e Efeito Coriolis, apenas para citar alguns. Para não complicar nossa leitura, vamos inicialmente nos concentrar em entender o básico primeiro, ou seja, o efeito da Gravidade.
Estabilidade e trajetória
Atiradores modernos tem conhecimento dos efeitos do giro estabilizador provocado no projétil pelas raias, mas vou explicar um pouco mais, sem entrar no âmbito da Balística Interna. Um projétil como uma flecha é estabilizado em voo pelas penas que atuam na cauda, forçando o Centro de Pressão a ficar atrás do Centro de Gravidade, o que explica em parte sua capacidade de girar em voo. Num projétil de fuzil ou carabina, o CP está a frente do CG, e isso é um desestabilizador. As raias helicoidais presentes no cano forçam-no a girar em voo, corrigindo a estabilidade e vencendo o problema do CG à frente do CP.
Especificamente no caso de carabinas de pressão que utilizam projéteis do tipo Diabolo, acinturados, além do giro causado pelas raias, existe ainda o efeito de pressão na parte de trás, o que força o CP para trás do CG, e portanto colabora para a estabilidade durante seu voo. Durante o tiro, as carabinas de pressão não conseguem gerar a mesma energia de aceleração que uma arma de fogo, e por isso não conseguem imprimir aos projéteis a mesma taxa de giro. Portanto, além de diminuir o atrito com o cano, o formato peculiar dos chumbinhos também tem um efeito aerodinâmico de pressionar o CP para trás do CG, estabilizando o projétil. Daí a importância deste desenho.
Para o nosso estudo, a estabilidade é importante pois sem ela nós não teríamos como predizer o comportamento em voo de um projétil. Se instável, sua trajetória será quase aleatória, ou melhor, terá tantas influências causadas pela instabilidade que será quase impossível determiná-las e quantificá-las corretamente.
Efeito da Gravidade sobre a trajetória
Qualquer projétil começa a sofrer os efeitos da Gravidade a partir do momento em que deixa o confinamento do cano. A partir daí, ele sempre será puxado para baixo. Por isso, de modo a atingir um alvo distante, o cano deve ser apontado para cima, em uma linha que diretamente não aponta para o alvo, mais sim para um ponto acima deste, e que chamamos de linha de saída ou de partida (line of departure). Por definição, bullet drop (queda do projétil) é definida como sendo a distância vertical entre a linha de partida e a trajetória do projétil em qualquer ponto do voo. Mesmo quando essa linha é apontada para baixo (no caso de um ângulo vertical negativo), ainda assim o projétil vai continuar a cair a partir da saída do cano.
É importante não confundir isso com a linha de visada, ou seja, com a linha entre as miras, o alvo e os olhos do atirador. Como nós não fazemos mira através do centro do cano, mas acima dele e em um ângulo que compensa a parábola descrita pelo projétil, nos acostumamos a referenciar sempre à linha de visada, e a linha de saída do cano tem pouca utilidade, a não ser para o cálculo de outros parâmetros.
O Caminho da Bala
Como o projétil está sempre caindo, nós intuitivamente sabemos que temos que apontar para cima de modo a que ele, a uma certa distância, tenha caído apenas o suficiente para acertar nosso alvo. Fazemos isso utilizando um aparelho de pontaria que está normalmente situado acima do cano em um leve ângulo em relação ao cano. Isso equivale a dizer que nosso projétil iniciará sua viagem abaixo de nossa linha de visada, e em algum momento irá cruzá-la duas vezes. Na primeira, próxima de nós, ela estará ainda subindo (na verdade, em relação à linha de partida, está sempre descendo), e continuará a fazê-lo até atingir seu ponto mais alto e então começará a cair novamente, até chegar ao solo. Do chão não passa (espera-se!).
Esses dois pontos de cruzamento entre a visada e a trajetória são de fundamental importância para o atirador. Eles determinam o zero, o seja, a distância exata no qual nossa linha de visada corresponde à queda do projétil. O primeiro chama-se zero inicial (Near Zero), e o segundo chama-se zero afastado (Far Zero). Se medirmos a distância vertical entre a trajetória do projétil e a linha de visada podemos determinar com exatidão o caminho percorrido pelo nosso projétil durante seu voo, e é popularmente conhecido como "o caminho da bala". Antes do zero inicial, essa distância vertical é negativa (abaixo da visada), entre os zeros inicial e afastado ela será positiva (acima da visada), e após o zero afastado será negativa novamente (abaixo da visada).
Obviamente, se alterarmos a nossa linha de visada, os parâmetros de zeros serão diferentes, mas a trajetória do projétil muda muito pouco. Em relação à linha de saída do cano (departure line), considerando-se sempre a mesma velocidade de saída, a trajetória do projétil muda muito pouco, a não ser em ângulos extremos. O que muda é o caminho feito em relação à linha de visada.
É importante entender isso para que possamos seguir adiante. Quando você altera sua mira, está alterando a sua visada, e consequentemente o ângulo do cano em relação à visada. Mas o projétil, se mantida a mesma velocidade de saída, continuará a descrever a mesma trajetória em relação ao ângulo de saída do cano.
Dessa forma podemos agora entender como ler as tabelas balísticas publicadas pelos fabricantes de munição.
Range | 0 | 100 yd 91 m | 200 yd 183 m | 300 yd 274 m | 400 yd 366 m | 500 yd 457 m | |
---|---|---|---|---|---|---|---|
Velocity | (ft/s) | 2,700 | 2,512 | 2,331 | 2,158 | 1,992 | 1,834 |
(m/s) | 823 | 766 | 710 | 658 | 607 | 559 | |
Zeroed for 200 yards/184 m | |||||||
Height | (in) | −1.5 | 2.0 | 0 | −8.4 | −24.3 | −49.0 |
(mm) | −38 | 51 | 0 | −213 | −617 | −1245 | |
Zeroed for 300 yards/274 m | |||||||
Height | (in) | −1.5 | 4.8 | 5.6 | 0 | −13.1 | −35.0 |
(mm) | −38 | 122 | 142 | 0 | −333 | −889 |
Nesse caso, a duas primeiras linhas mostram, em pés/seg e em metros/seg, as velocidades alcançadas a varias distâncias. Após, o caminho com um zero (afastado) de 200 jardas (184m) e com zero de 300 jardas (274m). As trajetórias, em relação à linha do cano, são as mesmas. O que mudou foi o ângulo do cano em relação à linha de visada.
Veja a figura abaixo:
Ela mostra três linhas de trajetórias para uma mesma carga (no caso, um .308Win). Apenas considerando-se as duas linhas de baixo, pode-se ver claramente que elas são quase iguais, apenas estão em ângulo diferente, e por isso, em relação à visada (a linha demarcada como zero no gráfico), as distâncias verticais são diferentes.
A terceira linha, mais acima, mostra o que acontece com um ângulo mais extremo. Neste caso, temos uma conjunção de forças um pouco diferente em ação, o que será explicado em um futuro post. Por enquanto, vamos nos ater somente à situação, digamos, mais normal de tiro, ou seja, um tiro horizontal.
E por que então um projétil mais rápido tem trajetória mais achatada do que outro mais lento? Ora, porque a Gravidade tem mais tempo de atuar sobre um projétil mais lento. Sendo assim, quanto mais rápido, menos efeito da Gravidade o projétil sofrerá. Isso causa o achatamento da trajetória, que chamamos de "trajetória tensa". Projéteis mais leves tendem a ser mais rápidos, e por isso é que suas trajetórias são mais retilíneas que outros mais pesados.
Entendido o efeito da gravidade sobre o nosso projétil em voo, no próximo post, vamos entender um pouco mais sobre o arrasto, a resistência do ar. Vamos entender o que é coeficiente balístico e como ele afeta nossos cálculos. Depois veremos os efeitos do vento, e outros efeitos que afetam tiros à longas distâncias.
Se você ficou com dúvida ou quer esclarecer melhor alguma coisa, deixe sua pergunta nos comentários. Eu não sou nenhum doutor em Balística, mas vou fazer o melhor que posso para sanar sua dúvida.
Até mais.
Não sei se este é o espaço adequado, mas gostaria de entender melhor o efeito magnus sobre um projetíl, visto que o eixo de rotação deste (diferente do caso da bola de futebol) é paralelo ao arrasto.
ResponderExcluirOlá Gina. Na verdade, esse efeito pode ser observado no Airsoft, através da regulagem do hop-up, que faz com que o projétil tenha um giro perpendicular à trajetória. No caso de armas raiadas, esse efeito não se aplica, pois o que está sendo observado é o spin, ou seja, a rotação no mesmo eixo que a trajetória.
ResponderExcluirAinda vou escrever mais sobre airsoft, e daí me aprofundarei na questão do hop-up. Obrigado por sua pergunta.