O FN-FAL em sua versão mais básica.
Caros amigos, começo hoje uma série de posts sobre um dos fuzis mais icônicos da história: o FN-FAL.
Considere-se que os 3 fuzis mais produzidos em toda a história são o AK-47 e seus derivados (chegando, segundo algumas fontes, a cerca de 75 milhões de unidades produzidas), seguido de longe pelo AR-15/M-16 e seus derivados (com algo em torno de 8 milhões), e o FAL (com cerca de 5 milhões de unidades). Somente uns poucos lugares do mundo ainda produzem o FAL, nenhum deles em larga escala, enquanto os outros dois seguem em produção e seus números tendem a crescer a cada ano.
Considere-se que os 3 fuzis mais produzidos em toda a história são o AK-47 e seus derivados (chegando, segundo algumas fontes, a cerca de 75 milhões de unidades produzidas), seguido de longe pelo AR-15/M-16 e seus derivados (com algo em torno de 8 milhões), e o FAL (com cerca de 5 milhões de unidades). Somente uns poucos lugares do mundo ainda produzem o FAL, nenhum deles em larga escala, enquanto os outros dois seguem em produção e seus números tendem a crescer a cada ano.
O FAL foi em um determinado momento o fuzil mais importante do mundo ocidental, então em uso por 90 países do mundo. A sua história começa ainda na Segunda Guerra Mundial, e teve reviravoltas intrigantes. Foi também o nosso fuzil padrão da Forças Armadas, e sobre isso nós escrevemos um post, Os Fuzis em Serviço no Brasil - Parte 1.
O FAL não é um fuzil de assalto, é mais apropriadamente descrito como um fuzil de batalha. Isso se deve ao fato da potência de seu calibre o famoso 7,62X51mm NATO. Algumas pessoas discutem ainda se o FAL, assim como seus contemporâneos M-14 e HK G-3, devem ser chamados de fuzis de assalto ou de fuzis de batalha.
Nessa série, vou contando aos poucos a história do FAL, que muito me fascina, e também vou descrever dois derivados dele,tanto para o Airsoft como para Carabinas de Pressão.
O Para-FAL, versão mais curta e mais leve, adotada por paraquedistas e outras tropas especiais.
O Início
Ao final da Segunda Guerra Mundial, os exércitos já haviam se convencido de que os antigos fuzis de ferrolho, acionados manualmente para cada tiro, já tinham virado história. Novos fuzis semi-automáticos tinham mais rapidez, maiores capacidades e eram tão precisos quanto os de ferrolho, pelo menos nas mãos de soldados comuns (em relação à atiradores de elite, isso ainda geraria muito debate). Os EUA tinham conseguido introduzir com muito sucesso seu M-1 Garand, e este era considerado o melhor fuzil do conflito (pelo menos para os EUA). Outras nações porém não ficaram paradas no tempo, e também introduziram seus próprios modelos de fuzis semi-automáticos, como os soviéticos SVT-38 e SVT-40.
Foram os experimentos alemães porém que mais avançaram no sentido de realmente criar uma arma inovadora. Inicialmente com modelos mais tradicionais, como o G-41 e o G-43, os alemães haviam "radicalizado" com a estupenda FG-42. Essa arma tinha sido desenvolvida para prover ao paraquedista alemão (daí seu nome: Fallschirmjägergewehr 42) uma arma que pudesse cumprir as missões tanto do fuzil Mauser K-98 de ferrolho quanto o da MG-34, uma metralhadora alimentada por fita, tudo isso num pacote menor, mais leve, e alimentado por carregador tipo cofre metálico.
A FG-42, adotada pelos paraquedistas nazistas, visava substituir tanto os fuzis Mauser como as metralhadoras MG34.
O sucesso dessa arma foi apenas relativo: apesar de ser temida pelos inimigos, seu uso foi restrito aos
Fallschirmjäger, que em seu uso tinham que segurar o recuo de 20 tiros sequenciais da potente 7,92X57mm. Enquanto é fácil de se apaixonar pelo design da FG-42, a verdade é que na prática a arma tinha sérios problemas gerados, principalmente, pelo recuo excessivo.
A solução desses e de outros problemas veio com um outro radical desenho alemão: o Sturmgewehr StG-44. Usado extensamente chapas metálicas na sua construção, o StG-44 apresentou o que seriam as bases para todos os novos fuzis a partir de então:
1) Alimentação por carregador tipo cofre de alta capacidade
2) Capacidade de fogo semi- e totalmente automático (tiro seletivo)
3) Uso de munição intermediária entre fuzil e pistola.
Essa última característica veio à luz quando o Exército alemão percebeu que seus soldados se engajam em combate a distâncias muito mais curtas do que as preconizadas à época do desenvolvimento de armas como o Mauser K-98. Ao invés dos 2000m de que eram capazes os K-98, os soldados modernos abriam fogo a partir de 300m. Não apenas eles estavam com uma arma muito mais potente do que precisavam, mas também inadequada, na medida em que não se prestava ao volume de fogo exigido de uma situação de combate mais próxima.
Ao fim da guerra, todos os exércitos observaram os experimentos alemães com muita atenção, e foi na União Soviética onde o conceito foi mais imediatamente compreendido e assimilado. Já em 1943 haviam os soviéticos tido contato com aquele novo conceito alemão, e talvez por isso tenham ficado mais impressionados. Talvez fosse pelo fato de que seu Exército já fazia uso de milhões de submetralhadoras e a nova arma era superior a essa em tudo, mantendo a facilidade de uso. O fato é que em 1947 nascia o mais famoso fuzil de assalto do mundo: o Avtomat Kalashnikova 47, ou simplesmente, o AK.
Enquanto ainda estavam extasiados pela vitória e confiantes de que seu M-1 Garand de 1936 era o melhor fuzil do mundo, os EUA, líderes do novo mundo ocidental que começava a se desenhar, viam pouca ou nenhuma necessidade de mudança. Seus parceiros europeus já não viam o mundo com tão bons olhos. Para balancear a ameaça dos AK-47, o Ocidente precisava de uma resposta, e essa resposta foi o FAL.
Mas a história do FAL não foi apenas de engenheiros trabalhando até aperfeiçoar um modelo que todos acabaram comprando, felizes. Houve reviravoltas, espionagem, fugas no meio da noite, e até oficiais de alta patente sabotando testes para garantir seu insucesso. Essa é a história do FAL, o fuzil do ocidente livre.
Qual calibre?
Após a Segunda Guerra, as noções ocidentais se juntaram numa aliança das nações democráticas para fazer frente à ameaça soviética, que não havia desmobilizados seu Exército e tomava o leste europeu. Esta aliança tomou forma em 04 de Abril de 1949, sob o nome de Organização do Tratado do Atlântico Norte, ou NATO, em inglês. A padronização era a palavra de ordem, já que cada nação havia entrado no conflito com seus equipamentos nacionais e o pesadelo logístico que se seguiu tinha que ser contornado.
Nesta imagem vemos o 7,62X51 ao lado de verdadeiros calibres intermediários. Pode-se facilmente notar que seu estojo tem muito mais capacidade e potência que os demais.
O desejo das nações aliadas era a de escolher um único modelo de fuzil que seria adotado por todos os países da aliança e em um único calibre, o que facilitaria as coisas. A pergunta era: qual calibre escolher? Ingleses já trabalhavam num calibre menor, .276, enquanto os belgas tinham visto e trabalhado sobre o alemão 7,92X33mm do StG-44, e outras variações do tema foram surgindo. Os EUA, porém relitavam em abandonar seu calibre .30-06, e não admitiriam nada inferior a isso, acreditando que cada garoto americano era um rifleman nascido e criado com um rifle de caça ao seu lado e capaz de lidar facilmente com calibres deste nível. Além disso, o Garand era uma obra de arte da Engenharia moderna, enquanto aquele fuzil novo alemão era feito de lata estampada e não chegava aos pés da qualidade do M-1.
Essa visão, arrogante, diga-se de passagem, teve um peso enorme nas decisões que foram tomadas a seguir. Tendo sido convencidos a adotar um calibre de no mínimo .30, os designers foram rapidamente vencidos até que se chegasse a um calibre que era pouco mais curto em comprimento que o .30-06, mas que balisticamente quase nada devia a este. Nascia o 7,62X51mm.
Com a decisão tomada, a primeira vítima foi a proposta inglesa: tendo sido desenvolvido para um calibre menor, o revolucionário EM-2 não seguiria em frente por não acomodar o novo calibre 7,62mm. Um pena: o novo fuzil inglês era um bullpup, muito avançado para sua época, e seu conceito somente voltaria a tona na década de 1970, quase 30 anos após.
Ficaram na disputa por um novo fuzil os americanos, com uma versão aperfeiçoada do M-1, e os belgas, que desde 1940 trabalhavam em conceitos para fuzis automáticos, chefiados por Diedonne Saive, que havia trabalhado antes com John Moses Browning. Claro que a época não podia ser pior para os belgas, já que seu país fora invadido pelos nazistas, e Saive e sua equipe tiveram que fugir para escapar do domínio alemão. Levaram consigo os desenhos e projetos de sua nova arma para a Inglaterra, onde Saive ofereceu seus serviços. Mas eram tempos difíceis para os ingleses também e ninguém ali ia ficar experimentando coisas em tempos de necessidades extremas.
Após a guerra, Saive e equipe voltaram à Bélgica, onde completaram o desenvolvimento daquele que seria o SAFN 49, um fuzil que, como outros antecessores, também tinha características conservadoras, como uma coronha de madeira e magazine de 10 tiros. Saive, porém não ficaria deitado nos louros desta invenção, e logo partiu para um design mais moderno e eficiente.
Saive testou vários modelos, inclusive um que também era um bullpup, como o EM-2. Abandonando essa ideia, os belgas se concentraram em uma ação inspirada nos modelos SVT soviéticos, e que inicialmente aceitava a munição 7,92X33mm. Após a adoção do 7,62X51 NATO, os belgas rapidamente adaptaram seu novo design a calçá-lo, o que levou seu projeto ao limite do aceitável para uma arma daquele peso. Dotado de um carregador tipo caixa de 20 tiros, a arma tinha seletor para tiros intermitentes e para rajadas, ainda que a potência do novo calibre quase tornasse-a incontrolável nesse regime.
Disputando com os belgas estavam os americanos. com seu novo T-44. Ambos passariam por rigorosos testes antes de ser adotados pela NATO como seu fuzil padrão. Mas os americanos não estavam preparados para uma derrota e dificultaram ao máximo a dotação do FAL. O ápice da estratégia americana de boicotar o modelo belga se deu em Dezembro de 1953, quando protótipos dos dois fuzis foram mandados à Fairbanks, no Alasca, para testes de inverno. As armas belgas foram encaixotadas e mandadas direto para lá, enquanto os T-44 deram uma paradinha "estratégica" na fábrica de Springfield, onde funcionava o arsenal americano responsável pelo projeto do T-44. As armas foram então cuidadosamente preparadas para enfrentar o rigor do Alasca, enquanto seu concorrente seguiu com a cara e a coragem. Obviamente, o T-44 bateu o FAL nos testes que se seguiram, não sem protestos do lado europeu.
Para evitar um mal-estar ainda maior, os EUA secretamente negociaram com os belgas prometendo-lhes que adotariam o FAL, enquanto por trás das cortinas continuavam o desenvolvimento de seu T-44. Logo após, em 1954, o Canadá se torna oficialmente o primeiro pais a adotar o FAL (nomeando-o C1), seguido rapidamente pela Inglaterra e pela Bélgica. Os EUA, porém, decidem escolher seu próprio design, que se torna o M-14. Todas as nações da NATO acabaram adotando o FAL, menos o país que os liderava. Apenas Taiwan, fortemente financiado pelos EUA, adotaria o M-14 em largas quantidades (ainda que pequenas dotações fossem registradas em alguns países), enquanto 90 nações escolheriam o FAL, dentre elas o Brasil.
Assim, começava o reinado do FAL como o fuzil padrão ocidental. Mesmo não encontrando apoio americano, as qualidades do FAL logo se mostraram aos soldados que o carregavam, e as deficiências também. As maiores delas eram o longo comprimento da arma, o peso e o fato de que em fogo automático o fuzil era praticamente incontrolável. Essa última característica não é única ao FAL, seus contemporâneos M-14 e G-3 também o são, fruto da decisão pela adoção de um calibre que é excessivamente potente numa arma automática. Mesmo assim, o FAL continuaria atuando por décadas antes de ser substituído e ainda hoje tem seus fãs.
Na próxima parte, vamos mergulhar mais na história do FAL, das adoções por países e seu uso em conflitos, e os problemas relacionados a eles. Acompanhe nosso blog. Comente e deixe suas sugestões.
Até mais.
Após a guerra, Saive e equipe voltaram à Bélgica, onde completaram o desenvolvimento daquele que seria o SAFN 49, um fuzil que, como outros antecessores, também tinha características conservadoras, como uma coronha de madeira e magazine de 10 tiros. Saive, porém não ficaria deitado nos louros desta invenção, e logo partiu para um design mais moderno e eficiente.
O "pai" do FAL, o fuzil SAFN-49.
Saive testou vários modelos, inclusive um que também era um bullpup, como o EM-2. Abandonando essa ideia, os belgas se concentraram em uma ação inspirada nos modelos SVT soviéticos, e que inicialmente aceitava a munição 7,92X33mm. Após a adoção do 7,62X51 NATO, os belgas rapidamente adaptaram seu novo design a calçá-lo, o que levou seu projeto ao limite do aceitável para uma arma daquele peso. Dotado de um carregador tipo caixa de 20 tiros, a arma tinha seletor para tiros intermitentes e para rajadas, ainda que a potência do novo calibre quase tornasse-a incontrolável nesse regime.
Disputando com os belgas estavam os americanos. com seu novo T-44. Ambos passariam por rigorosos testes antes de ser adotados pela NATO como seu fuzil padrão. Mas os americanos não estavam preparados para uma derrota e dificultaram ao máximo a dotação do FAL. O ápice da estratégia americana de boicotar o modelo belga se deu em Dezembro de 1953, quando protótipos dos dois fuzis foram mandados à Fairbanks, no Alasca, para testes de inverno. As armas belgas foram encaixotadas e mandadas direto para lá, enquanto os T-44 deram uma paradinha "estratégica" na fábrica de Springfield, onde funcionava o arsenal americano responsável pelo projeto do T-44. As armas foram então cuidadosamente preparadas para enfrentar o rigor do Alasca, enquanto seu concorrente seguiu com a cara e a coragem. Obviamente, o T-44 bateu o FAL nos testes que se seguiram, não sem protestos do lado europeu.
Para evitar um mal-estar ainda maior, os EUA secretamente negociaram com os belgas prometendo-lhes que adotariam o FAL, enquanto por trás das cortinas continuavam o desenvolvimento de seu T-44. Logo após, em 1954, o Canadá se torna oficialmente o primeiro pais a adotar o FAL (nomeando-o C1), seguido rapidamente pela Inglaterra e pela Bélgica. Os EUA, porém, decidem escolher seu próprio design, que se torna o M-14. Todas as nações da NATO acabaram adotando o FAL, menos o país que os liderava. Apenas Taiwan, fortemente financiado pelos EUA, adotaria o M-14 em largas quantidades (ainda que pequenas dotações fossem registradas em alguns países), enquanto 90 nações escolheriam o FAL, dentre elas o Brasil.
Assim, começava o reinado do FAL como o fuzil padrão ocidental. Mesmo não encontrando apoio americano, as qualidades do FAL logo se mostraram aos soldados que o carregavam, e as deficiências também. As maiores delas eram o longo comprimento da arma, o peso e o fato de que em fogo automático o fuzil era praticamente incontrolável. Essa última característica não é única ao FAL, seus contemporâneos M-14 e G-3 também o são, fruto da decisão pela adoção de um calibre que é excessivamente potente numa arma automática. Mesmo assim, o FAL continuaria atuando por décadas antes de ser substituído e ainda hoje tem seus fãs.
Na próxima parte, vamos mergulhar mais na história do FAL, das adoções por países e seu uso em conflitos, e os problemas relacionados a eles. Acompanhe nosso blog. Comente e deixe suas sugestões.
Até mais.
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