Fato: a maioria dos atiradores acredita que se deve atirar com carabinas de ar e de fogo do mesmo modo. Erro clássico que leva à decepções, falta de interesse e geralmente em generalizações, do tipo "carabina de pistão-e-mola não são precisas".
É uma pena, pois muita carabina de ar por aí, de potência apenas mediana, é capaz de atirar muito melhor de que carabinas .22LR. Até bem pouco tempo atrás, se competia em alto nível usando apenas carabinas de pistão-e-mola, e não estou falando de Gas Rams...
Existem alguns fatores a considerar quando você vai atirar com uma carabina de ar, especialmente as de pístão-e-mola, mas que também valem para todos os tipos de mecanismos. Como a imensa maioria das carabinas de ar vendidas no mundo são do tipo pistão-e-mola e de cano basculante (break-barrel), é nesse tipo de ação que vou me concentrar neste post, mas lembre-se que muito disso também é válido para outros mecanismos.
O que é precisão?
Primeiramente, vamos nivelar nosso vocabulário. Precisão e exatidão são dois termos que, se olharmos em algum dicionário, você verá serem usados como sinônimos. Mas, na Engenharia (eu sou Engº Mecânico de formação), os termos têm aplicações técnicas distintas.
Precisão (Precision) é definida como sendo a proximidade de uma medição em relação à outras medidas tomadas. Ou seja, o quão próximos entre si estão vários valores medidos.
Exatidão (Accuracy) é a proximidade de uma medida em relação a um valor de referência.
Essas definições valem tanto para medições de peso feitas em um laboratório quanto para resultados de nossos tiros em alvos de papel.
Veja a imagem abaixo.
O primeiro alvo da esquerda mostra alta precisão e alta exatidão, ou seja, os tiros estão todos no centro e todos muito próximos entre si. Já no segundo alvo, a precisão continua alta, mas a exatidão não, pois os tiros caíram fora do centro (valor de referência). No terceiro, os tiros estão mais dispersos, porém continuam centrados ou seja, baixa precisão, mas alta exatidão. Por fim, no último alvo da direita, temos alta dispersão e fora do centro, ou seja, baixas precisão e exatidão.
Como atiradores, intuitivamente sabemos que, ao encontrar um alvo como o segundo (alta precisão-baixa exatidão), basta ajustar as miras e você terá o resultado ideal, portanto, um bom grupamento é essencial (alta precisão). Um situação como a exemplificada no terceiro alvo não é a ideal, pois a dispersão indica uma variabilidade de resultados que podem nos levar ora a acertar bem no centro do alvo, como também acertar bem longe deste. Daí a importância dos grupamentos bem fechados e pequenos.
Portanto, quando falamos aqui em precisão, é isso que estamos buscando: grupamentos pequenos, sem necessariamente importar o local do alvo onde ele esteja. Um alvo como o segundo, nesse exemplo, para nós é em princípio, suficiente. Depois veremos os fatores que afetam a exatidão, e que podem surpreender a muitos.
Tolerância
Ainda resgatando minha experiência como Engenheiro, deixe-me explicar um pouco sobre o que é tolerância. Toda a peça técnica é desenhada tendo um conjunto de medidas que a descrevem para quem for fabricá-las. Produzir essa peça com medidas exatamente iguais às do desenho é possível, mas provavelmente será muito caro. Por isso, aceitam-se variações dessas medidas, para mais ou para menos. Isso é chamado de tolerância.
Pegue por exemplo um cano. Um diâmetro é especificado como sendo de 6,01mm +/- 0,01. O que significa isso? Que esse cano pode ter uma medida variando de 6,00mm até 6,02mm. Qualquer medida fora desses valores e a peça não será aprovada. Claro que, quanto mais apertada forem as tolerâncias, maior será a dificuldade de produzir peças dentro dos valores especificados.
Isso é um dos indicativos do porque certas armas do mesmo fabricante e do mesmo modelo e calibre apresentam resultados diferentes entre si. Quanto maiores forem as tolerâncias permitidas pelo fabricante, maior será a diferença entre o desempenho delas.
Se você pensar que também as munições foram produzidas tendo uma faixa de tolerância, fica fácil entender o que está acontecendo quando você testa um novo tipo de chumbinho, por exemplo. Se seu cano tinha (para continuar no exemplo acima) 6,02mm de diâmetro interno, e o chumbinho comprado por você tinha 6,00, a folga existente não permitirá que ele se ajuste ao cano e sua precisão provavelmente não será boa o bastante.
Claro que o exemplo acima é apenas didático, e as tolerâncias de peças como canos e projéteis são muito mais fechadas, e isso é parte do segredo industrial de cada fabricante, portanto você não encontrará essa informação facilmente no Google.
Agora que entendemos o que é Precisão, Exatidão e Tolerância, podemos começar a avaliar os fatores que direta ou indiretamente afetam nossos tiros.
Fatores que afetam a precisão
Normalmente eu identifico cinco fatores que afetam a precisão e exatidão do tiro numa carabina de ar. Estou aqui me referindo somente aos fatores internos da carabina, e não vou aqui comentar sobre a balística externa, ou seja o que acontece com o projétil depois que ele sai do cano até que ele chegue ao seu alvo. Vamos nos concentrar primeiro na balística interna, ou seja tudo o que acontece entre o premir do gatilho até que o projétil deixe o cano. Há ainda a balística terminal, que trata do que acontece a partir do momento em que o projétil toca o alvo até sua parada completa.
Qualidade do Cano: Já vimos que as tolerâncias de fabricação são um fator chave, mas a qualidade de um cano não está somente em ter tolerâncias apertadas, mas também a uniformidade do diâmetro, do raiamento, da coroa (a "boca" do cano, onde termina o raiamento). Somente quanto ao raiamento, podemos afirmar que parâmetros como a profundidade das raias, o passo do raiamento e o acabamento (se mais rústico e com cantos vivos ou mais arrendondado e polido) todos afetam o tiro. E tem ainda as medidas da câmara, o alinhamento desta com o cano, a profundidade, o ângulo do cone de forçamento, etc, etc, etc... É longa a lista.
Qualidade e Tipo do Chumbinho: Todos os que leram qualquer linha a respeito devem ter tropeçado em artigos sobre a seleção de chumbinhos. A variedade é enorme, e saber qual chumbinho vai se dar melhor com aquele cano que está montado na sua arma é um senhor desafio. Isso porque as variações inerentes à produção de um cano se multiplicam na produção de milhões de chumbinhos. Obviamente que, produzir esses milhões de chumbinhos com tolerâncias apertadas tem um alto custo. Posso concluir que um chumbinho mais caro deve ter um desempenho melhor, certo? Não necessariamente, pois o fabricante pode ter definido as medidas destes chumbinhos e serem incompatíveis com as tolerâncias do seu cano. Por isso, não fique chateado, mas você pode sim comprar um chumbinho bem caro e não ter resultados bons em sua arma, o que não significa que este seja um produto de baixa qualidade.
Vibração no Ciclo de Tiro: Esse é um fator que afeta especialmente as armas de pistão-e-mola. As armas pneumáticas, sejam elas PCP ou Multi/Single Pump tem alguma vibração e recuo, mas é quase imperceptível ao atirador, devido ao peso da arma em relação ao peso do projétil. Então vamos nos concentrar no que acontece com armas de mola. O problema todo se resume a um fato: quando você puxa o gatilho, este desarma um pesado pistão que é impulsionado por uma pesada mola. Todas essas peças grandes e pesadas estão em movimento antes que o chumbinho sequer comece a se deslocar. Ou seja, até que ele saia do cano, a vibração da arma estará influenciando a trajetória do projétil.
Qual então é o segredo para um bom tiro? Devo mandar minha arma para algum armeiro que tem a receita para eliminar a vibração da minha carabina? Bem, você até pode fazer isso, mas não há como, fisicamente, eliminar a vibração. Pode-se atenuá-la, mas você tem que aprender a viver com ela. E como se faz isso? Você já deve ter assistido a filmes de guerra e visto grandes obuseiros atirando não? Eles tem uma vibração e um recuo num nível muito superior ao da sua arma, e no entanto são perfeitamente capazes de acertar um alvo a quilômetros de distância com precisão e exatidão. Como? Acontece que o obuseiro é deixado para vibrar livremente durante o tiro.
Você deve deixar que sua carabina faça o mesmo. Apoie apenas levemente a arma em sua mão, preferencialmente colocando a mão fraca (a mão esquerda de um atirador destro) espalmada próximo ao ponto de equilíbrio da arma, que normalmente é logo a frente do guarda-mato ou próximo dele. Segure o grip bem de leve, quase sem tocar mais que dois ou três dedos, e mal encoste a soleira no seu ombro. Se atirar apoiado em uma bancada, nunca apoie a arma diretamente sobre o rest ou sobre sacos de areia, alvos, livros ou qualquer outra superfície. A arma deve estar sobre a sua mão. Em algumas armas mais sensíveis atiradores experientes usam apenas dois dedos para apoiar a arma. Variando um pouco a posição da mão fraca, você encontrará o ponto ideal para a sua arma. Marque-o com fita adesiva para se lembrar onde colocar a sua mão.
Peso do Gatilho: Numa arma de fogo, nós sabemos que o peso do gatilho tem grande influência no tiro. Brigar com um gatilho pesado e arrastado é uma "sofrência" que em nada ajuda a manter a concentração e o alinhamento das miras. Bem, o que acontece é que, ao contrário das armas de fogo, onde normalmente o gatilho somente segura um cão ou um percussor, nas carabinas de ar há todo o sistema de pistão-e-mola sendo retido pelo sistema de gatilho. Ou seja, ou o gatilho tem uma alavancagem que nos dá um peso leve, ou você sentirá que precisa de um alicate para apertá-lo. Por isso mesmo, muitas carabinas de pressão são fabricadas hoje com gatilhos reguláveis. meu conselho aqui é: seja muito cuidadoso. Vejo muitos gatilhos trabalhados por ditos "especialistas em tunning" que acabam ficando inseguros. Trabalhe dentro dos limites do razoável.
Miras: Dá para escrever um artigo inteiro só sobre miras, especialmente as lunetas. É muito comum no Brasil ouvir que determinada arma tem potência tão elevada que não deve ser usada com miras telescópicas. Na verdade, o que essas pessoas ainda não entenderam é que não é a potência da arma que destrói a sua luneta, mas sim a vibração excessiva na hora do tiro. Até a década de 1980, as carabinas de ar eram muito menos potentes do que as atuais, e ainda por cima ninguém usava lunetas nelas. Até que na década de 1990 tudo isso mudou, e hoje, além das carabinas serem (algumas) extremamente potentes (e "vibrantes", e não num sentido positivo!), todo mundo quer usar lunetas. Como resolver isso? Primeiramente, use lunetas apropriadas para carabinas de ar. Use suportes e anéis robustos. Use um batente robusto, que realmente impeça a base de se deslocar para trás durante o tiro. E, se ainda assim sua mega-master-blaster-ultra-magnum carabina de ara continuar a destruir alvos e lunetas, pense em fazer um alívio na mola. Você perderá alguma velocidade, claro, mas vai ganhar muito mais ao conseguir manter o zero de sua luneta intacto após uma longa sessão de tiros.
Há um outro detalhe sobre miras: durante seu ajuste, se para zerar a sua luneta você teve que usar todo o limite de regulagem para a direita ou para cima, sua luneta pode estar enfrentando um problema de falta de pressão nas molas que sustentam o retículo. Use espaçadores entre os anéis e a luneta para que o zero seja obtido em um ponto mais central no curso das duas torretas.
Um carabina de ar bem ajustada é capaz de colocar tiro sobre tiro a distâncias surpreendentes. Se você souber tratar bem de sua carabina de pistão-e-mola, seja ela de mola metálica ou Gas Ram, ela vai lhe dar ótimos resultados, desde que você não tente transformá-la naquilo que ela não é. Muita gente no Brasil reclama mais de que sua carabina não é capaz de perfurar determinado material, quando na verdade deveria se preocupar primeiro se você é capaz de acertar o alvo, depois o que vai acontecer com ele. Uma carabina muito potente que não acerta o alvo não vale nada.
Aprenda a atirar com sua carabina antes de mandá-la para algum tunning. Use todos os seus recursos antes de substituir uma mola ou um gatilho. Você verá que às vezes as soluções estão bem dentro do seu alcance, sem grandes investimentos.
E assim sobrará mais dinheiro para você comprar mais chumbinhos, de melhor qualidade e em maior quantidade.
E bons tiros!
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